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Em coletiva, curador Alfons Hug detalhou temática da edição de 2018, que valoriza a arte africana
Os oceanos são fontes ricas de memória, mas nenhum ultrapassa o Atlântico com sua coleção de eventos dramáticos os quais auxiliaram a formar o Novo Mundo. Nas águas do chamado “mar de Atlas”, armas da Europa partiram para a África, de onde nativos foram enviados como escravos para as Américas, que, por sua vez, comercializaram açúcar e algodão com os europeus. Resgatando a relação entre os três continentes, o “Triângulo do Atlântico” foi escolhido como o tema da 11ª Bienal do Mercosul. Nesta segunda-feira, o crítico alemão Alfons Hug foi oficializado como curador-geral do evento, que acontece em Porto Alegre somente em 2018, e deu detalhes sobre a temática.
“A Bienal tem uma vocação mais do que regional. E eu sempre vou defender que é preciso ter uma forte cor local, mas é preciso ter diálogo com outras”, afirmou Hug, relembrando que, desde sua primeira edição, a mostra já reuniu trabalho de mais de 1400 artistas da América Latina. Nascido em Hochdorf, ele estudou Linguística, Literatura Comparada e Cultura em Freiburg, Berlim, Dublin e Moscou. Atualmente, dirige o Instituto Goethe em Lagos, capital da Nigéria, e foi o primeiro estrangeiro a assumir a curadoria da Bienal Internacional de São Paulo, em 2002.
Cerca de 60 artistas oriundos dos três continentes, interligando e ao mesmo tempo expondo a tensão cultural no contexto destes locais, devem compor o acervo da exposição. O Diretor Presidente da 11ª Bienal do Mercosul, Gilberto Schwartsmann, aproveitou a ocasião para lembrar que será preciso vencer desafios financeiros para a execução do projeto curatorial da próxima edição do evento. Em função disso, Hug explicou que almeja trazer para a Capital obras extraídas da coleção africana “Olufemi Akinsanya”, composta por esculturas de todas as regiões da Nigéria, de exemplos de obras das culturas locais Yoruba, Igbo e Urhobo, mas que isso pode ser inviabilizado justamente pelas questões financeiras e de logística envolvidas. “
Os trabalhos expostos vão resgatar situações que surgiram dentro do “Triângulo Atlântico”. “Para interpretar o mundo contemporâneo, é bom perguntar para os mestres antigos. Isso permite esclarecer como se lidava com diferenças culturais na antiguidade”, defendeu o curador. Assim, a Bienal apresentará produções já existentes mas também encomendadas aos artistas pela organização sobre temas cruciais e relevantes para o entendimento da temática.
Ao todo, serão seis eixos. O primeiro deles é o chamado “bairro brasileiro” de Lagos, construído no século XIX pelos “retornados”, isto é, escravos que regressavam do Brasil e constituíam uma espécie de elite da cidade. Até hoje, seus descendentes guardam sobrenomes e costumes brasileiros, como o idioma e uma escola de samba.
O segundo tópico é o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, no qual funcionava um mercado de escravos descoberto durantes escavações que precederam as obras de urbanização para as Olimpíadas. “No local, foram vendidos mais de um milhão de escravos em três séculos”, comentou Hug. Os 130 quilombos existentes no Rio Grande do Sul, onde há registros de escravidão desde 1737, compõem o terceiro tópico de pesquisa, enquanto o quarto diz respeito à Berlim, onde foi realizada a Conferência do Congo em 1885, na qual a África foi rateada entre as potências coloniais. Um artista irá se debruçar sobre a ata geral deste encontro.
A quinta área referida é o Museu Marítimo de Lisboa, fundado por José Antonio Gonzales e que inclui em seu acervo navios antigos, pinturas e documentos da época da chegada ao Brasil. Um recorte mais atual tomará forma com obras sobre ilha italiana de Lampedusa, onde desembarcam dezenas de milhares de refugiados africanos. O local foi tema do documentário “Fuocoammare” (Fogo Ao Mar), que venceu o Leão de Ouro no Festival de Berlim de 2016.
Considerando a enorme diversidade cultural e linguística tanto das Américas quanto da África, a Bienal apresentará uma instalação sonora coletiva constituída por uma seleção de línguas nigerianas e indígenas. O programa deve oferecer ações que envolvam pessoas que não tem acesso à arte, lançando mão de linguagens digitais. Hug ainda recordou que há uma carência na pesquisa sobre a arte negra e africana e que, somente nas últimas décadas, houve uma maior preocupação na área.